Doenças graves são uma grande calamidade. É indesejável,
violento, assustador e doloroso. Se ameaça a vida, exige que a
pessoa doente e seus entes queridos enfrentem a morte. A doença
causa dor, ansiedade, incapacidade; limita o que a pessoa doente pode
fazer. Pode interromper uma vida, interromper planos e separar as
pessoas da vida, suspendendo o fluxo anterior da atividade cotidiana.
Em suma, a doença é quase sempre indesejável, mas deve ser
suportada, pois também é inevitável. "Cada um de nós deve
uma morte à natureza", como disse Freud.
Mas a doença também tem poder revelador. Empurra o doente ao limite
e revela muita coisa sobre nós, como vivemos e os valores e
suposições que sustentam nossas vidas. A doença também pode
fornecer motivação e instrução filosófica, apontando nossos
hábitos e suposições e colocando-os em questão. Portanto, devemos
considerar a doença como uma ferramenta filosófica legítima e
útil.
Que tipo de ferramenta filosófica é a doença? Primeiro, a doença
descobre aspectos da experiência incorporada com tremenda força.
Mostra-nos a fragilidade e o fracasso da carne, revelando dimensões
da existência humana que são tácitas e surpreendentes. A doença
é, portanto, uma oportunidade para refletirmos sobre a natureza
dessa existência corporal, seus limites e como ela condiciona nossas
vidas.
Segundo, a doença é (atualmente) parte integrante da vida biológica
e, portanto, deve ser levada em consideração quando se considera a
vida, os valores, o significado e os arranjos sociais. Estamos todos
destinados a morrer, e a maioria de nós ficará doente (ou está
doente) no processo. Este é um fato significativo da vida humana que
a estrutura e delimita.
Terceiro, a doença tem o que chamo de "efeito de
distanciamento". Retira-nos dos hábitos, rotinas e práticas
anteriores, que se tornam impossíveis nas doenças, e nos obriga a
refletir sobre esses hábitos e práticas. A doença pode destruir as
expectativas que temos sobre a nossa vida, como suposições sobre
quanto tempo devemos viver e quão independentes devemos ser, e dessa
maneira revela os valores que tomamos como garantidos, muitos dos
quais são articulados explicitamente apenas quando alguém adoece.
Vida reflexiva
Em resumo, a doença nos leva a questionar como vivemos, por que
vivemos como vivemos e como podemos continuar fazendo algumas coisas
dentro dos limites da doença. A doença é um desafio, uma demanda,
que requer uma resposta reflexiva. A doença muda radicalmente nosso
relacionamento com nosso corpo, meio ambiente e mundo social.
Isso muda nossa atitude em relação ao tempo e ao futuro. Muitas
vezes nos obriga a considerar o que é importante e o que é trivial.
Pode nos fornecer uma nova clareza e foco, e pode nos levar a
apreciar coisas que antes estávamos muito ocupados para perceber.
Como tal, a doença pode despertar reflexões na pessoa doente
simplesmente forçando mudanças nessa pessoa. Essa reflexão é,
simplesmente, filosofar.
Então, para mim, a doença é uma forma única de filosofar.
Normalmente pensamos em filosofar como uma atividade escolhida, não
como algo que possa ser imposto a alguém. Mas no caso de doença, a
pessoa doente é lançada em grande incerteza, angústia,
incapacidade e ansiedade, e isso pode levar a pessoa a fazer
perguntas filosóficas sobre justiça, sorte e infortúnio, autonomia
e dependência e sobre o significado de sua vida.
A doença é um convite violento para filosofar. Ela chega,
causando estragos indesejados a uma vida previamente ordenada e lança
ao ar muitas de nossas suposições e ideias sobre como nossa vida
poderia e deveria ser. Como tal, pode ser uma ferramenta filosófica
eficaz que pode gerar insights importantes. A doença pode
exigir métodos mais radicais e pessoais de se fazer filosofia. Pode
afetar as preocupações filosóficas da pessoa doente. Provoca
reflexão sobre finitude, incapacidade, sofrimento e injustiça.
Também pode mudar a urgência e a relevância de tópicos
filosóficos específicos.
Obviamente, a doença não fará isso em todos os casos. Se a doença
é muito dolorosa ou debilitante, não há espaço para reflexão. Se
a tristeza e o trauma são grandes demais, não pode haver
"crescimento pós-traumático", como o psicólogo Jonathan
Haidt chama. Mas em outros casos, a doença pode ser uma experiência
transformadora, como define o filósofo LA Paul. Pode alterar o que
sabemos e o que valorizamos de maneiras que mudam profundamente a
vida.
*Professora de Filosofia, Universidade de Bristol
Artigo postado em The Conversation e traduzido por Papo de Filósofo®